Segunda pele
Por S. Barreto
Quando
efetivamente a humanidade convencionou que todos teriam que andar de roupas?
Dificilmente alguém terá uma resposta exata, pronta ou cabal. Tudo dependeu de
um longo e moroso processo histórico. O fato é que hoje andar coberto por um
monte de vestes faz parte da vida de todos, que compõe a sociedade, seja ela em
qualquer lugar do mundo, com raras exceções. As roupas nos acompanham desde que
nascemos, seja com o primeiro gorrinho de crochê na cabeça, até a indesejável mortalha
quando partimos. A endoderme, derme e epiderme já não mais nos basta.
Biblicamente,
depois que Adão e Eva cometeram o maior dos pecados da humanidade,
desobedecendo a Deus, ao comerem da fruta da árvore proibida, tudo mudou,
alterando todo o curso da história de seus descendentes aqui na terra. Depois
da fatídica mordida da fruta, a Bíblia assevera: “Então, foram abertos os olhos de ambos, e conhecerem que estavam nus;
e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais.” (Gênesis 3:7).
Assim, Deus percebe o erro perguntando a Adão: “Quem te mostrou que estavas nu?” (Gn 3:11). Nisso, foi quebrado o
relacionamento deles com Deus, tornando o pecado dali pra frente uma realidade
incômoda, para quem até então, levava uma vida perfeita no paraíso, sem malícia
e preocupações.
Depois
disso, outra ideia que se tem é com relação de que no mundo existem regiões
habitadas com variações climáticas muito intensas e extremas, além de outras
próximas aos pólos muito frias. Então para o homem pré-histórico ou um esquimó
da Groelândia andarem mais protegidos, eles tiveram que de alguma forma, criar
um mecanismo de defesa, com intuito principal de não deixar dissipar o calor
natural de seu corpo, além também de criar o fogo para amenizar essa
particularidade. Diferentemente dos povos que vivem abaixo da linha do equador
ou de um índio nascido na Amazônia ou na Mata Atlântica Sul-americana que por
ter clima tropical, não haveria motivos para se adornar tais vestes. O processo
de se andar vestido foi se dando de forma gradual e isso foi se tornando cada
vez mais presente e aceitável na sociedade, existindo dessa forma um
contingente colossal a ser vestido. O algodão e o bicho da seda se tornaram
então, culturas valorizadas e elementos importantes na economia mundial.
Hoje
na contemporaneidade, além de suprir a necessidade basilar que é de
encobrir-se, a vestimenta acabou por agregar as mais diversas simbologias e
representações, principalmente no âmbito profissional. O Padre tem sua batina,
o médico seu jaleco, o juiz sua toga, o mestre-cuca seu avental, o advogado seu
blazer, o militar sua farda, o esportista seu uniforme, o mecânico seu macacão,
o palhaço sua fantasia, o vaqueiro seu gibão de couro, etc. E aí nessa
observação, é preciso tomar muito cuidado. Todos sabem, mas muitos acabam
esquecendo. Não devemos julgar os outros pelas aparências até porque elas
enganam, e enganam mesmo.
É
preciso saber discernir que a real função das roupas não é sectarizar os
homens. Essa é só mais uma funesta mania do homem em estar querendo se
distinguir de tudo e de todos para se hegemonizar como melhor diante dos
demais. Ele inventa tudo, nos mais diversos graus de qualidade, desde roupas
até moradia, para tentar perpassar a ideia de que existem uns que podem mais
que outros, criando classes, castas e facções. Existe também a falsa noção de
pluralidade de que: “Ah! Somos livres,
podemos ser como quisermos”, não se atentado que isso nos torna mais
desiguais e intolerantes com relação a diferença dos outros.
Uns
enaltecem esse quesito em suas vidas e mais parecem a representação de um
frustrado pavão postiço em busca de sua estonteante calda, gastam
excessivamente em lojas de shoppings, valorizam demasiadamente tendências da
moda, consomem grandes grifes importadas fomentando a indústria de luxo,
supervalorizando a marca, uma tremenda bobagem. O dono de um dos mais cobiçados
empregos do mundo, o colunista social Amaury Jr. foi longe dizendo que: “Você só é percebido numa festa, somente se
estiver no mínimo, bem vestido”. Não vou entrar no mérito dessa percepção,
o mundo dele é totalmente diferente do meu.
Carlos Drummond de Andrade em seu famoso poema “Eu
Etiqueta” já sinalizava a respeito dessa alienação, desse consumismo
desenfreado e ilógico. Logo nos trechos exordiais percebemos bem a crítica do
poeta. Ele fala: “Em minha calça está
grudado um nome/Que não é meu de batismo ou de cartório/Um nome... estranho./Meu
blusão traz lembrete de bebida/Que jamais pus na boca, nessa vida,/Em minha
camiseta, a marca de cigarro/Que não fumo, até hoje não fumei. (...).”
Por outro lado, existem outros que se descuidam tanto a
ponto de ser colocada em xeque até mesmo sua própria auto-estima. O mais
sensato seria se vestir adequadamente, com roupas específicas para cada ocasião
e bem asseadas. O cuidado consigo mesmo. A ideia chave é essa: “Eu sou importante, pelo menos pra mim
mesmo”. Então tratemos da nossa saúde, da nossa higiene e, de certo modo,
da nossa aparência, se de forma razoada. Meu alinhado e muito bem quisto avó
materno Antônio Amâncio já dizia: “O pau
se conhece é pela casca”.
Tempos atrás pude testemunhar uma polêmica envolvendo o
imprevisível e brincalhão senador Eduardo Suplicy. Ele incentivado por
humoristas causou polêmica quando se vestiu com uma cueca vermelha em pleno
expediente no Senado Federal. Outro fato relacionado a esse mesmo político foi
com relação a contenção de energia. O parlamentar propôs que fosse facultado o
uso do terno no congresso, para que assim não tivessem os membros e servidores
da casa, que utilizarem tanto os refrigeradores de ar. A moda não pegou. Outro
ambiente de poder, as multinacionais até já abriram mão de que seus executivos
usem obrigatoriamente lacônicas e formais gravatas.
Bem, essa é só mais uma opinião minha, pessoal. Posso
estar sendo completamente reacionário e errado. Mas isso é o que acho hoje.
Atualmente é comum os praticantes do naturismo lutarem para se livrar dessa
amarra e chocam a sociedade ao buscar seus direitos de andar nu. Desta feita
não mais somente o rei tem o direito de estar nu, mas também todos os seus
súditos. Fica uma dica. No dia que lhe olharem dos pés a cabeça, não vos
perturbes, mentalmente olhe pra dentro dela, e verás que essa pessoa cultiva
algo fútil, supérfluo e sem nenhum valor humano. Para encerrar deixo a máxima: “Para que um homem mereça estar dentro de um
terno, este, antes de tudo, deverá se
comportar como o mais terno dos homens.”
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